Tempo agreste. Todos se esquivam até de o nomear para que não larguem os cães a ganir por esses becos e quintais. Por outra banda, aquece o coração saber, ainda que longe, o saudoso povo beneficiado com este pregão nas páginas do Correio da Manhã: «Vasco Graça Moura é um dos nossos grandes poetas europeus. Na verdade, é um clássico que ultrapassou a fragilidade e as maldições do tempo – e os seus cinquenta anos de vida literária, que agora se assinalam, deviam ser motivo suficiente para relermos a beleza terrível (a expressão é de Yeats)…»
Nada impede imaginar o deleite do leitor típico do Correio da Manhã ao deparar com o withe man’s burden do articulista- em clássicos carreado à folheta – por mor de civilizar as províncias. E a coisa vem atacada pelo ângulo certo (a beleza terrível) já que, amante de tragédias, não se concebe baudeleriana charogne (Les jambes en l’air, comme une femme lubrique) que lhe não seja prenúncio de formosura. Conjecture-se o típico leitor do Correio da Manhã que todos conhecemos de gingeira, serenamente à mesa do café onde veio p’la bica ou superbock, cotejando com Graça Moura o seu Boécio e seu Lucrécio, o seu Keats e o seu Yeats, medindo-lhe o artifício com a hipálage da Eneida e com a dupla (ou tripla) adjectivação anteposta de Borges. Serenamente considerando face a toda a poesia de Graça Moura a filantropia benevolente do “Gives thee to make thy neighbour’s blessing thine” do Essay on Man de Pope, ou a crítica social mordaz de Quevedo, os tupinismos de Gregório de Matos, e pr’ í fora que é um nunca mais acabar…
É de esperar no típico leitor do Correio da Manhã (imagino eu d’aqui destas tundras) depois da leitura de um artigo assim e sensibilizadíssimo para a coisa poética, já não o insensível brutamontes que ao ver a foto do anúncio da cognominada Loucura de Odivelas diz «porra ó toino que esta tem umas bochechas do cu que parecem as galgas de um lagar», mas aquele que, meditando nas declinações do amor, conjuga declamando de memória com contido sorriso e plácido semblante, a voz trémula, amantíssimo, os verbos de Oliverio Girondo no Espantapájaros … Se miran se presienten, se desean,/ se acarician, se besan, se desnudan,/ se respiran, se acuestan, se olfactean,/ se penetran, se chupan, se demudan,/ se adormecen, se despertan, se inluminan,/ se codician, se palpan, se fascinan …
Depois é imaginá-lo (ao típico do Correio da Manhã), no abalar esbaforido rumo à primeira livraria que encontre aberta: a aboletar-se com a completa poesia vasconça antes que esgote. Uma pra ele, duas prós netos em herança que as primeiras edições só valorizam, e outra porque, «ó toino!», o dia de amanhã ninguém lo sabe. Like as the waves make towards the pebbled shore , vagas de leitores do Correio da Manhã rumo às livrarias como uma revoada de pombas a um céu fresco, muito azul, muito poético. Esperanças, enfim…