O presidente eriça-se, a eurodeputada denuncia, o governo mente, miss swaps factura, as listas dos evasores fiscais no Liechenstein e na Suiça indignam, o vulgo paga. Apregoa-se contra o enriquecimento ilícito, a corrupt’-e-coisa, a nomeação amiguística e o favorecimento, a informação assimétrica. Apesar das denúncias indignadas a que nos entregamos, segue o circo nos carris do costume. E seguirá. Porque o grande problema disto de unhar à fartazana não é o ser moralmente errado e politicamente perigoso: é, no imediato, ser melhor; mais seguro; confortável; prestigiante. Em suma, e no mundo que andamos a construir com as nossas escolhas diárias e com os valores a que colectivamente aderimos, ser preferível a levar vida honrada e sóbria, sem montada de monta, poleiro e penacho, vida-airada. Contra isto, não há jeremíada por melhor que escrita seja, em jornal ou em blog, que nos valha.
O problema resumiu-o de forma magistral Eça ainda que sobre um outro aspecto da vida em O problema do adultério – (Uma Campanha Alegre/II) :
“O que sabemos apenas é que todas estas prosas incitam a mulher, em períodos comoventes, à prática da virtude! Ora observa-se que, se uma mulher tem um amante, poderá suceder que ela leia, pela manhã ao almoço, um artigo magnífico e pomposo com interjeições, lágrimas e flores:
Sobre o adultério e as suas aflitas misérias;
Sobre a fidelidade e os seus claros esplendores.
Mas nem por isso deixará, em vindo a noite, de ir pé ante pé, com todos os ardores do susto e do mimo amoroso, abrir a porta do jardim à impaciência de Artur. E isto porquê?… Porque a retórica não anula o temperamento.
Porque um periódico bem escrito não abafa uma paixão bem movida;
Porque os adjectivos não dirigem os nervos;
E porque, á senhores prosadores, a verdade é esta: entre um folhetim, que condena o adultério, impresso a tinta preta num papel amarelado, e um amante vivo, sensível, forte e amado – nenhuma mulher deixará o amante, que é a realidade, para seguir o folhetim, que é a linguagem;
E não despedirá o homem que lhe dá a sensação – em atenção ao Sr. Bezerra, localista do Rei e Ordem, que lhe dá prosa.”